sábado, 9 de janeiro de 2010

Arrependimentos


Seus ouvidos voltaram a funcionar antes do restante do corpo. Não abriu os olhos, sentiu um calor lhe queimar o rosto.
"Porcaria, quem deixou a janela aberta?!"
Claro que não havia sido ele. Sempre fechava a janela. Sempre. Ela é que não tinha esse costume. Patricinha morando em apartamentos altos a vida toda, precisava se acostumar a morar em uma casa. Uma casa de praia.
Esticou os braços e deu uma boa espreguiçada.
ZZZZzzzzzziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
A cabeça latejou. "Mas que merd..." É claro. Abriu os olhos lentamente contra a luz do sol. Dormira no sofá. Um sofá que não era o seu. Não estava em casa. Estava na casa do... da... de quem? "William?" O som da própria voz soou como cornetas para seus ouvidos. A cabeça ficou ainda mais sensível. Tentou levantar, mas o corpo estava demasiado pesado. Com um grande esforço usou os braços para se apoiar e ficar sentado. Olhou para si mesmo, sem roupas, a única peça que vestia era a cueca box preta e as meias brancas na altura na canela. O sol ainda lhe queimava o rosto, esticou o braço e pegou os óculos de sol com lentes marrons que pertenciam ao... à... "Karina?" também não houve resposta.
Levantou, devagar, as pernas ainda fracas, deu alguns passos, a luz do sol vinha de uma porta entreaberta que dava para uma sacada de vista para o mar. Sim, a casa do... "Leo!"
-Hahaha. Finalmente meu amigo. Está melhor do que da última vez que saímos. lembro que foram cinco nomes até acertar.
Caminhou até a sacada e viu o amigo também usando apenas cuecas e óculos escuros, tinha as pernas sob uma mesinha de centro e um copo de whisky na mão. -Sente-se velho amigo. Sei que prefere vodka, tomei a liberdade de lhe preparar sua dose.
Os olhos que encararam Leo pareciam suplicar para que não tivesse servido esse copo, mas ambos sabiam, sempre souberam que nada melhor para curar uma dor de cabeça do que começar uma nova.
-O que se lembra da noite passada? -perguntou Leo, tomando um gole do whisky e fazendo uma careta, como se tivesse tomado um gole de ácido.
-Não muito.
-Lembra das garotas?
Apenas uma sobrancelha se ergueu. A cabeça voltou a latejar. Isso era um "não", envergonhado, mas ainda assim um "não"
-Sinto pena de você meu amigo. Trancafiado com mesma senhora há tanto tempo morando naquela sua casa de praia e escrevendo livros. Quanto sexo há em sua casa?
Não respondeu. Apenas tomou um gole da vodka. Boa Vodka! Deveria levar um pouco dessa, não tinha dinheiro para pagar por coisa tão boa.
-Você quase não se diverte e quando sai volta sem se lembrar de nada.
Sorriu.
-Hey meu amigo sabe o que dizem não?
Olharam-se com largos sorrisos e ergueram os copos dizendo em coro
"Se eu não lembro, não fiz"
-Professor Walter, segundo ano!
-Certas coisas a gente nunca esquece.
-E graças a deus... algumas a gente esquece. -disse Leo em meio a um olhar acusador.
-Heeey, o que você quer dizer com isso!? O que aconteceu esta noite?!
Leo se engasgou ao rir e tentar beber um gole de seu whisky ao mesmo tempo.
-Não quis dizer nada meu amigo. Apenas achei que valeria as risadas.
-Sempre vale uma risada com você Leo. Agora... se me der licença, vou procurar minhas calças. Ir para casa e mandar minha patroa fazer as malas.
-Tem certeza disso meu amigo?!
-Eu não fui fiel durante doze anos para quando receber a noticia que ela está grávida o filho não ser meu.
Leo não respondeu. Esvaziou o copo de whisky em um só gole e encarou o sol da manhã no horizonte azul. Olhou para o amigo que agora estava em pé ao seu lado.
-Foi bom conversar com você Leo. Sempre tem bons conselhos.
Leo sorriu sinceramente.
-Então desta parte você se lembra.
Apertaram as mãos.
-Não precisa levar a garrafa de vodka, amigo. Pode voltar mais tarde. Meu sofá estará lhe esperando.
-Sim, ele sempre está.


Era uma praia incrivelmente grande, mas caminhar toda aquela distância o fez chegar em casa sem dor de cabeça. Não poderia dizer que horas eram, não se lembrava onde perdera o relógio, mas o sol estava sobre sua cabeça, devia ser hora do almoço. Abriu a porta da casa, estava destrancada, ela fez o habitual ranger de cemitério, Que dia iria arrumar essa porcaria? "Em breve" O cheiro do macarrão no ar lhe embrulhou o estomago, não sabia o que bebeu, mas sabia que não foi pouco.
-Amor?! É você?
Uma mulher ruiva com luvas de cozinhar e um avental apareceu no fundo do corredor, entrada para a cozinha.
-Bom dia amor! –a face dela era amigável, mas o olhar não o olhar o desaprovava totalmente, em décimos de segundo ela notara que ele perdera o relógio, seus joelhos sujos e o sapatos sujos de areia em suas mãos, ela sorriu mesmo assim. -Que tal subir e tomar um banho? Temos visitas, seus pais estão aqui. Estão ansiosos para saber qual é noticia que nós queríamos contar!
Não falou nada, falar apenas lhe deixaria mais enjoado. Procurou pelo celular, agora se arrependia de ter comprado uma calça com tantos bolsos, o que pensava que era "Um adolescente?" Procurou pelo numero na agenda. LEO
Foi preciso apenas um toque.
-Sua dose está esquentando meu amigo.
-Hããã...
As palavras não saíram, quantas vezes já passara por essa situação? Essa falta de coragem. Algo sempre acontecia. Bem, pelo menos ele ainda devia ter uns seis meses até poder agir.
-É que...
-Tudo bem meu amigo, talvez amanhã.
Leo não pode ver, mas arrancara um sorriso da face que chorava sozinha no quarto.
-Sim, talvez amanhã.


3 comentários:

  1. Sempre existe um lugar para onde voltar, seja qual for o motivo ele sempre estará lá.

    Bjos, Keli

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  2. "...mas arrancara um sorriso da face que chorava sozinha no quarto"... Poético.

    Abraços camarada.

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  3. "As palavras não saíram, quantas vezes já passara por essa situação?"

    Inúmeras!

    Muito Bom,
    to amando!

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