sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Histórias de Jake – Coração Dele

As grandes tragédias sempre ocorrem em um mesmo cenário.
Existe uma razão para isso.
É inegável que uma noite chuvosa consegue transmitir tanta mágoa, tristeza e frustração quanto qualquer palavra que possa ser proferida pela boca de humanos.
Talvez Ele se lembre disso da próxima vez que beber um pouco em uma noite fria.
Então talvez suas decisões sejam diferentes.
Até porque uma noite tão sombria só pode ser um aviso da natureza de que algo nada agradável está para acontecer.


...





Dois meses se passaram do aniversário da Loira de olhos mesclados.
Dois meses sem se verem.
Sem se olharem.
Dois meses sem um telefonema ou um "oi" no messenger.
Ele desaparecera,
Sumiu da vida dela.

Mas nesta noite,
na última noite.
Ele queria falar com ela.
Não queria pedir desculpas,
nem esperava por elas.
Apenas queria dar um Adeus.
Devia isto a ela,
mesmo depois de tudo,
não se sentia no direito de sumir da cidade,
sem dizer para ela, sem deixá-la ciente pela boca Dele,
não pela dos outros.
Precisava vê-la,
em partes,
porque ainda a amava.
E descobriria mesmo anos depois que o sentimento não sumira,
apenas ficara bem guardado.

Saíra para beber com os amigos naquela noite,
o quadrado mágico,
motivo?
-como se precisasse-

partiria da cidade no dia seguinte.
Nova fase,
faculdade,
conhecer pessoas novas,
loiras baixinhas de peito estufado,

garotas carentes,

mulheres mais velhas,

amigas sem iguais.

Ainda enfrentaria problemas muito maiores,

mais do que ele sequer podia imaginar,

mas no momento,

não sabia disso.


Tinha álcool na cabeça,
pouco - mas tinha,
não o suficiente para dizer algo inconseqüente
mas o suficiente para fazê-lo dobrar a esquerda naquela rua e rumar para a casa dela.

Quando deu por si
o carro novo que seu pai lhe emprestara estava estacionado frente ao castelo da princesa demônio.
As luzes desligadas e o celular na mão,
a coragem lhe escorrendo pelas pernas,
o estômago gelado,
doendo de receio.
Ligou.


Os toques se seguiram,
ele sussurrava "atende" repetidamente sem nem ao menos se dar conta,
a fantasmagórica música da ligação a cobrar soou,
mas nunca terminou seu réquiem.
Ela desligara.


Desligara esta,
e as duas vezes nas quais ele insistiu.
Perdido em desespero ele sabia que se ela não atendesse somente uma coisa poderia ser feita.
Mas ele não sabia se teria coragem,
se conseguiria,
mas não se permitiu ficar na dúvida,
na primeira puxada de ar trancou a respiração e foi até o fim.
Tocou a campainha.


Quanto tempo levou até a porta se abrir é impossível dizer,
Sabe-se que um homem vê sua vida passar diante de seus olhos em seus momentos finais.
Ele viu todo seu relacionamento passar diante de si.
Era verdade o que diziam,
pois foi o Ceifador quem abriu a porta.
Ele tinha cabelos encaracolados e uma cabeça mais alto que a loira.
-É ele.

Proferiu a voz rouca do Garoto com a Foice que se virou e deu espaço para a namorada passar.

Era a bonequinha pela qual ele se apaixonara.
Não a estonteante loira das noites de festa,
mas a loirinha descabelada que vestia a mesma camiseta branca e pijama cor-de-rosa todas as noites,
e se deitavam para escutar Wonderwall,
a música favorita.

Não se sabe o que feriu mais,
ver o Ceifador lhe atender,
ou vê-la junto dele,
vestida da mesma forma que a via no passado.

Ela se escorou no carro e cruzou os braços frente ao corpo,
como fazia quando tinha medo,

baixou a cabeça e escondeu o rosto atrás da cortina de cabelos,
como fazia quando queria chorar.


Ele não sabia como começar.
-Nem sei ao certo porque vim, ou se deveria vir, mas quando me dei por conta estava aqui, parece que você não gostou, já que não atendeu minhas ligações a cobrar, certa vez você dissera que não se importava.


-me pergunto o que mudou-


-Eu não queria falar com você.
–ela respondeu.
-Eu sei que não, e não te culpo por isso. Só que... não espera que ELE fosse me recepcionar.

Ela encarou o chão, não respondeu.
Ele continuou.

-Eu sei que você deve estar pensando diversas coisas de mim, elaborado diversas teorias sobre o que eu fiz e o porquê de eu ter feito, algumas dessas suas teorias chegaram até mim, mas... você sabe como são cidades pequenas, as pessoas falam demais e inventam demais, então... antes de eu começar, eu queria que você me dissesse o que você está pensando, o por que de eu ter feito o que fiz.


Ela suspirou,
Talvez ela esperasse não precisar falar,
pensasse que apenas escutar seria mais fácil.
Mas a verdade era que, mesmo que fosse mais fácil,
continuaria sendo horrível.

-Você... não fala mais comigo... você não me cumprimenta quando eu abano, não olha mais para mim, desde o meu aniversário, que foi ótimo, foi maravilhoso e... e depois disso... eu... eu nem sei o que pensar! Nem ao menos sei por quê! Eu não entendo, não compreendo! Onde estão as razões para tudo isso??!


-Você pode pensar o que quiser de mim. Talvez julgue que fui maligno, desumano, frio e calculista, talvez... mas não importa, o que eu fiz foi me distanciar de você. Porque ficar perto de ti e te ver feliz com outra pessoa que não eu, é mais difícil do que simplesmente ir embora. Então, eu quis lhe dar um último dia, um último e melhor dia comigo, um encontro para que nós pudéssemos nos lembrar sempre.

Ela o interrompeu

-Eu me lembro de todos os momentos bons!

E essa frase cutucou um coração que ele julgava já ter parado de bater.
Ele sorriu
mas queria ter chorado.

-Eu queria te dar um último dia assim. Eu passei o dia todo pensando se iria te ligar, te dar os parabéns e um abraço, então quando eu finalmente liguei, você não estava em casa, eu peguei o carro e fui até onde você estava. Nossa, nós jogamos truco, comemos pastel, nós rimos e bebemos a noite inteira... Oh! Eu andei na contra mão numa rua principal de madrugada por mais de cem metros em um carro que eu nunca tinha dirigido...


Um sorriso abriu o rosto dela,
em meio ao reflexo da luz do poste na água em seu rosto.
Foi verdadeiro,
ele pode sentir.

-Fiz isso para que sua última lembrança minha, fosse boa.
-E você esperava que eu simplesmente...
Ela não conseguiu terminar a frase, sua voz se perdeu...
Ele tomou a palavra novamente.

-Não sei se é certo estar aqui, provavelmente tenha sido um erro, eu tinha a esperança de simplesmente ir embora e deixar tudo para trás, mas... depois de tudo que nós passamos, eu acredito, ou eu quero acreditar, que você merece isso, que você merece uma explicação, então... eu vim, antes que eu fosse embora e não pudesse mais resolver isso.


Ela ergueu os olhos e ele leu a pergunta neles.

-Sim, eu vou embora. Amanhã. Não sei quando volto. Não sei se um dia volto.

Foram cortados pelo silêncio,
não havia mais muito a ser dito,
era hora de terminar.

-Desde o começo eu sabia que não daria certo ser seu amigo. Não pelo o que você é, como você é ou quem você é. Mas pelo o que eu sentia em relação a você. Amizade, apenas amizade não preencheria o lugar no meu coração. Mas eu queria ficar ao seu lado, e eu me sujeitei a essa condição, mesmo com o coração machucado eu quis acreditar que ser seu amigo seria uma resposta viável, ou ao menos satisfatória. Mas ser seu amigo exige demais de mim, me cansa, me suga, me torna miserável, por mais que eu goste de estar contigo, conviver com essas restrições... acaba comigo, e agora, nesses últimos meses, te ver com outra pessoa, te ver com outro cara, tem sido ainda mais difícil, e ver você com outro e ainda assim querer o seu bem, querer que você seja feliz... é demais para mim. É duro demais para mim. Por isso eu estou abandonando, por isso eu me distanciei, porque é mais fácil ficar sem te ver, ficar longe de você, do que estar junto contigo e querer você feliz com outra pessoa, nunca vou conseguir desejar o seu mal, por uma simples razão. Eu ainda te amo.

Foi uma bomba,
muita coisa para selecionar,
muito para pensar,
ela demorou para responder,
mas falou.

-Fico feliz por você ter vindo, fico contente por você ter me contado.

As palavras saiam espremidas,
como se doessem ao serem proferidas,
e as que vieram em seguida,
ele nem ao menos poderia imaginar que as escutaria em um futuro,
da boca de outra pessoa
em uma situação ainda mais difícil.

-Faça o que for melhor para você, aquilo que você achar que vai te fazer melhor.

Não era como um "se vira, faz o que quiser"
Era realmente ela abrindo mão dos próprios sentimentos,
aceitando a dor,
e prol de ele poder melhorar,
de ele poder se sentir bem.
Fora uma frase curta e simples,
mas que de simples nada tinha.

-Eu tenho que entrar. –ela disse.
-É... eu sei...


Mas eles não se moveram.

-Não sei se fiz certo... não sei se deveria ter vindo...

-Fiquei feliz por você ter vindo.


Respiraram fundo.
Olharam-se.
Ela se desencostou do carro e foi até ele...
Um beijo...
Não.
Um abraço.
Um abraço forte,
firme,
um último abraço... -assim pensaram.

-Obrigada por ter me contado.

-Obrigado por ter me escutado.


Ela tinha um leve sorriso,
um sorriso triste.
Não se despediram.
Foram suas últimas palavras,

e a última vez que se viram.



...Fim???

Um Grande Abraço
Diogo S.Campos

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