sábado, 13 de fevereiro de 2010

Histórias de Jake - Verdade

Hey amigos,
Tenho ficado meio ausente nesses últimos dias,
verdade é que os dias têm sido curtos, não me dando tempo para parar frente ao computador.
Hoje trago o Capítulo Vinte da série Jake,
com mais de uma semana de atraso :P

Peço desculpas e dentro do possível manterei as postagens em ordem.
Um Grande Abraço
e
Boa Leitura.
Diogo S.Campos






O motor de uma velha caminhonete amarela sobressaiu-se aos demais barulhos daquela movimentada avenida, a lataria outrora fora de um amarelo vivo, mas após trinta anos de sua fabricação não era mais do que um branco encardido. O motorista dirigia e buzinava para os demais carros lhe darem lado para passar, mas nenhum obedecia, estavam também trancafiados pelo grande número de pessoas que atravessavam a rua pela faixa de pedestres. A avenida é larga e tem por boa parte de sua extensão a faculdade particular que às dezenove horas recebe a maior de todas as suas populações de estudantes, adolescentes que agora começavam a correr de um lado para outro com mochilas e pastas na cabeça para fugir de uma recente chuva, alguns mantiveram o passo normalmente apenas armando um guarda chuva, e uma ou outra menina mexericando dentro da bolsa para então puxar uma pequena sombrinha maleável que abre em três estágios e fica grande o suficiente para duas pessoas.

A chuva não tardou a engrossar e o som de suas gotas grandes como cubos de gelo espatifavam-se contra o solo gerando fortes estalos, algumas morriam mais sedo chocando-se contra o telhado de zinco do ginásio de esportes e abafavam mesmo o som dos carros e caminhonetes com motoristas bêbados em seu interior. A universidade não se dava ao trabalho de avisar seus alunos que as aulas começaram, partia-se do principio de que se você está pagando deve saber que precisa estar na aula, mas mesmo que houvesse uma campainha ela também não seria audível diante da grossa chuva que caía, uma torrencial de águas cinza e sujas, águas de dor e sofrimento, gotas de penitência que se juntavam às lágrimas de pavor que escorriam dos olhos de um garoto escorado em um muro pichado por grafiteiros, sentado com os braços largados ao lado do corpo e a cabeça caída entre os joelhos de pernas mal posicionadas, a imagem de alguém que perdeu completamente a vontade de viver.

O som dos carros e da chuva estava abafado, Jake era um adolescente jogado no sofá com o nariz cheio de pó assistindo televisão no mudo. As imagens entravam por seus olhos, mas não chegavam ao cérebro, não eram processadas, os sons eram repelidos por seus ouvidos, estava trancafiado em uma existência que não conhecia, um mundo ao qual jamais havia sido apresentado, diante de sentimentos que não sabia ser capaz de manifestar, preso em um lugar que não sairia, a realidade batera em sua porta e dissera “Meu nome é pavor.” Sendo estas as últimas figuras e vozes que ouvira antes de mergulhar em seu mundo surdo. Olhos verdes vidrados expelindo lágrimas sem vontade e não distinguíveis da chuva cinza que lhe surrava o rosto, respiração quase inexistente, barba comprida, a barda de um vivente que não se importa consigo mesmo, ou que passara a se importar tanto com outros que se esquecera de si próprio.

O refestelar das folhas verdes das árvores tinha sua própria melodia, clemente por atenção daqueles que não às observam desde a primavera. A existência branca na qual ele havia sido atirado não o deixaria sair sozinho e seu corpo já percebera isso, embora não tivesse forças para levantar. O nível da água subia rápido nas calçadas com mau escoamento e as calças azuis do rapaz já ficaram mais pesadas do que o normal com tantos litros de água que absorveram. Os olhos piscaram pela primeira vez quando seu corpo foi erguido contra a vontade e seu braço direito jogado por cima de um ombro, um ombro desconhecido, mas com aroma amigo, um cheiro familiar e reconfortante. Em instantes sua visão retornou e mesmo embaçada ele pôde distinguir as pontas dos cabelos negros, estava sendo carregado, os pés arrastados e sujando a parte de cima dos calçados, então forçou a energia para baixou e começou a caminhar com pernas bambas, mas já poupando sua carona de tanto esforço. Abriu a mão e encarou-a sob a chuva, molhada e enrugada, mãos que ficaram muito tempo molhadas, então a trouxe de encontro à testa e levemente tocou-a com as pontas dos dedos. Sabia o que procurava, e que se procurava era porque não estava ali e jamais iria encontrar, mas mesmo assim queria constatar por si mesmo, procurou sem êxito o buraco feito pela bala calibre trinta e oito.

Jake sentiu as costas baterem contra a superfície dura de um banco de concreto, nem mesmo se dera conta de que o barulho da chuva ficara menos audível, havia sido levado para uma cobertura, olhou ao redor e foi no próprio banco em que estava que reconheceu a logo da universidade. A maior parte dos rapazes fumava e escutava músicas com fones de ouvidos, presos em seus próprios pensamentos nem mesmo se davam conta que balançavam o calcanhar, algumas das garotas puxavam toalhas de rosto das bolsas ou das mochilas, sempre prevenidas, e secavam os cabelos encharcados. Não se ajeitou no banco, não encarou quem o trouxe ali, tudo o que via era com o canto dos olhos, nem ao menos se dava ao trabalho de girar o pescoço, sentado de lado quase que sobre os braços viu surgir frente a seu rosto uma imagem familiar. A mesma garota que o salvara da última vez e o tirara daquele abismo. A garota a qual nunca chamava pelo nome, apenas pelo apelido mórbido. Morticia. Ela viera novamente por ele, carregara seu corpo pesado sob uma chuva pastosa e o colocara em um lugar quente, sabia o que viria agora, sabia que mesmo ela não viraria as costas e o deixaria à suas lamentações. Não no ponto em que chegara, ela precisava ouvir algumas palavras, ela queria que ele tomasse uma atitude e não iria sair dali até conseguir, ele a conhecia muito bem, ela e aqueles olhos negros e profundos, um abismo que sugaria a alma de quem os encarasse por muito tempo sem uma proteção adequada, um buraco negro.

-Conte-me.

Como um coração que volta a bater após um infarto e o ar que entra de súbito aos pulmões, ele ganhou vida e seus olhos se moveram pela primeira vez, sua íris oscilou e por um breve momento a garota de cabelos negros parada a sua frente não conseguiu distinguir sua cor, não era apenas o verde, mas também não era o castanho mel que ela viu naquela noite quando o abraçou, era como se todas as cores, conhecidas ou não misturarem-se e formassem ao mesmo tempo o tudo e o nada, mesclando o mais belo e o mais terrível, a calmaria e o temor, para então cessar e voltar a ser verde, o verde de sempre. O mesmo de sempre. Os lábios dele abriram-se levemente e ele levantou o corpo, sentando com a coluna um pouco inclinada para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e encarando o chão.

-O que você sentiu quando descobriu que seu namorado estava dormindo com outra?

A pupila dela se contraiu e a respiração parou por um breve segundo. Ela se ergueu e sentou ao lado dele, não olhando para seu rosto, mas para a garota se suéter cor de rosa que lia “A Megera Domada” escorada em dos pilares de concreto da biblioteca do outro lado do corredor.

-O que você acha que eu estou sentindo ao descobrir que minha namorada está dormindo com outro. –ele ergueu o rosto e cobriu a boca levemente com as mãos, olhou na mesma direção e viu o livro de Shakespeare não mão da garota, os olhos dela se moviam rápido e seus lábios pronunciavam quase que inaudivelmente as palavras de Catarina. -Não apenas dormindo com outro, mas dormindo com o EX.

A garota apoiou o cotovelo direito no joelho e largou a cabeça na mão que pressionou as têmporas e deu um leve suspiro.

-Agora eu consigo perceber, agora tão tarde eu consigo entender e enxergar o que estava bem na minha frente, aquilo que você disse que eu precisava entender, mas eu estava cego não é? Cego e preso em meu próprio mundo, minhas próprias regras que não conseguiam compreender o óbvio.

Eles desviaram os olhos do velho livro Shakespeariano e encaram um ao outro. Ela soltou os ombros como se finalmente largasse um peso que carregava há muito tempo. Ele ainda manteve uma mão frente à boca, mas não proferiu as palavras, escutou mais um pouco o som da água batendo nas telhas vermelhas e escorrendo pelas calhas metálicas em uma canção reconfortante das noites de inverno, então libertou a boca para que fosse escutado com clareza.

-Eu nunca fui o único.

A amiga de cabelos negros fechou os olhos e deixou lágrimas lhe escorrerem pela face, ela sabia o que ele sentia, ela mesma já havia passado por situação semelhante, e mais, desde o momento em que transmitira parte de si mesma para ele, aumentara a ligação que tinham entre si, uma ligação que já era incrivelmente forte antes daquela fatídica noite.

-Eu nunca fui o único nem ele foi ex. Ele nunca deixou de ser marido dela.

A voz que ao inicio já não era muito forte agora ficava tremula e tropeçava nas palavras tornando-se difíceis de escutar.

-Por isso ela disse “Não acredito que estou fazendo isso” quando me beijou da primeira vez. Ela não estava impressionada por ficar com um cara tão mais novo. Estava era sentindo o sabor de uma presa fácil, um garoto o qual ela poderia manipular e usar como quisesse mesmo sendo uma mulher casada. Ela estava feliz, sim, vi no rosto dela daquela vez. Ela estava sentindo orgulho de si mesma pelo o que estava fazendo.

Ele procurou a garota de suéter rosa, mas ela já não estava lá, e sem perceber apertou o joelho em que repousava a mão direita, fosse pelas palavras e revelações que tinha ou por simplesmente não encontrar um ponto para manter o olhar. Prendeu a atenção na chuva que caia ao longe e nos alunos que corriam protegendo livros contra o peito e os cabelos com as pastas pretas com a logo da universidade, olhou mais profundamente e viu que um deles caminhava em sua direção com o olhar fixo, o olhar de alguém que sabe para onde está indo. Reconheceu o rosto e sentiu o sangue gelar e reverter o fluxo dentro das veias até explodir no cérebro, conheceu o rosto do homem que vinha em sua direção e o viu puxar algo da cintura, O Revolver, era Ele, impossível, mas era Ele. Viera para terminar o que tinha começado, puxar o gatilho que decidiu não fazer naquele instante. Jake olhou mais fixamente para o homem de camiseta branca encardida e abrigo de moletom surrado e percebeu que ele caminhava sob a chuva, mas não se molhava, as roupas estavas secas e nem sequer oscilavam com o vento que uivava de tão forte, e mais, a água da chuva não o atingia, passava através dele. Foi então que compreendeu. Forçou os olhos. Prendeu a respiração. Piscou. E o homem havia sumido. Não havia sumido, jamais estivera ali.

Fechou os olhos e balançou a cabeça fortemente para espantar os pensamentos que não queria. Voltou para sua história.

-Por isso ela não me beijou na parada de ônibus naquela tarde de sábado. Estávamos na parada onde ela sempre ficava. Um lugar conhecido onde ela era observada. Uma mulher casada não pode beijar outro homem que não seu marido.

Jake suspirou e fechou os olhos tentando se lembrar do que aconteceu em seguida. Não havia pensado nisso antes, as revelações apenas lhe surgiam na mente conforme falava.

-Ela já não se sentia mal em trair, então por que dormir com apenas um fora do casamento? Sim, provavelmente ela já não sentia tanta culpa por seus atos, então resolveu aflorar e transou com aquele rapaz que apareceu para fazer uma breve manutenção nas máquinas. Ele fez bem mais do que uma manutenção não é? –Jake parou para dar espaço a um breve sorriso, uma risada envergonhada que escapuliu pelo canto da boca -E ela foi para uma cama de motel de estrada com um cara que acabava de conhecer.

-Você não precisa... –a amiga começou a falar, mas notou que não fazia diferença, ele não estava exatamente contando aquilo tudo, estava vivenciando cada fato mentalmente, perpassando seus caminhos dos últimos meses, faria isso com ela ali ou sem.

-E depois, quando eu disse que não queria uma relação pela metade, quando disse para ela que a queria apenas para mim. Ela nunca me deu uma resposta. Tudo que ela fez foi mais uma vez me beijar para esconder seus sentimentos. E eu a perdoei por ter transado com aquele cara.

Jake sorria e balança a cabeça no ar, não acreditava no que havia feito. Na época parecia tão honesto, tão certo, a coisa certa a fazer, aquilo que um homem faria. De certa forma foi o que um homem faria, aquilo que ele faz de melhor, ser manipulado por uma mulher.

-“Quando a Gente Tá, a Gente Tá. Mas quando a Gente não tá, a Gente não tá.”, ela deveria ter me dito que queria estar comigo para ter com quem transar quando seu marido não estivesse por perto. Ao menos se fosse nessas palavras talvez eu tivesse caído fora daquela vez. Se bem que em vista disso tudo... eu duvido.

Ele escorou as costas no banco e jogou a cabeça para trás, suspirou profundamente, cansado como Xerazade contando uma história que nunca acaba.

-E quando ela me disse que eu era um simples caso. Ela estava realmente dizendo que eu era um caso. Talvez a maior verdade que ela tenha me dito todo esse tempo.

A amiga mantinha a cabeça baixa, queria dizer para o amigo não ser tão cruel consigo mesmo, precisava fazer algo, precisava tirá-lo daquele transe, mas não conseguia enxergar como.

-Então ela ficou grávida. Ficou grávida e perdeu um bebê de três meses, sendo que nós transávamos há apenas um. E foi então que ela me disse que me amava. Disse e eu corri. Então ela não perdeu tempo e na vez seguinte que eu estive naquele quarto de hospital ela já havia chamado o marido e ele estava lá me esperando, segurando a aliança que ela nunca usou, apenas deixou escondida na corrente sob a blusa.

Voltaram a se encarar, a garota sabia que agora vinha a parte nova da história, a parte que ele ainda não havia contado. O céu brilhou e as luzes incandescentes dos corredores se apagaram dando lugar às brancas do sistema de emergência.

-E por fim eu encontro com um marido que fica surpreso e ao mesmo tempo furioso ao saber da minha existência. Não era alguém que olhava para um concorrente, era alguém que desejava o sangue do amante de sua mulher.

As lágrimas desceram pelas laterais brancas do rosto da amiga e ela o abraçou com força e lhe beijou o rosto. Ele levou um pequeno susto e então repousou o braço nas costas dela e retribuiu o abraço.

-Ela nos enganou. A nós dois. Ficava comigo sem deixar que ele descobrisse, e dormia com ele me dizendo que estavam separados.

A amiga se desvencilhou do abraço, mas o segurou pelos ombros e olhou para o lado, para a chuva que ainda caia e molhava o jardim de margaridas da universidade.

-Agora ela sofre, com a cirurgia, a minha perda e o desprezo dele. Mas ainda assim me pergunto quem foi a vítima em toda essa história? Ou melhor, AS vítimas. Ele e eu fomos moscas presas em uma teia e ela era a aranha que nos guardava como refeições para os momentos em que ela se sentisse necessitada.

A morena ainda tinha as mãos postas nos ombros dele, então o encarou com aqueles olhos profundos, aquelas fendas temporais que o fazia tremer.

-Ela me usou.

Eles se entreolharam, e antes que ela pudesse dizer o que precisava ele concluiu.

-Ela me usou e você sabia disso. Soube o tempo todo, da maneira como você sempre sabe das coisas, mas me deixou trilhar meu caminho.

As luzes de emergência apagaram-se no momento que as pupilas dela dilataram escondendo a própria íris, e em um ato mais veloz do que quando os olhos dele se tornaram indefinidos, os dela ficaram negros, a escuridão que assolou o corredor na universidade o impediu de ver no que aqueles olhos se tornaram, mas ela o puxou para si e colou a boca em sua orelha.

-Você tem uma última coisa a fazer e precisa ser logo. Não posso mais ficar sem dar minha opinião agora que você sabe a verdade. Precisa tomar sua decisão porque na próxima não estarei perto para carregá-lo, esta foi a última vez. Caso não o faça, quando nos encontrar-mos novamente eu estarei no necrotério reconhecendo seu corpo.

Eles se afastaram e as luzes voltaram, a chuva finalmente começou a descer sem tanta fúria e a noite pareceu mergulhar em uma estranha tranqüilidade. Os olhos dela estavam castanhos escuros como eram normalmente, fosse o que fosse que aconteceu, já havia passado. A surpresa veio dela quando não encarou os olhos verdes, mas os castanhos meles.

-Sim, agora que a verdade me foi posta na frente consigo ver a via pela qual devo seguir. Sei qual é o próximo passo. E desta vez eu estou pronto.

Ele se pôs em pé e saiu da área coberta e caminhou adentro da noite chuvosa. A chuva já não lhe trazia mais temor, já não tinha mais medo de continuar vivo, encontrara suas respostas da pior maneira possível, e a solução também não era agradável, seria necessário quebrar algumas regras. Regras impostas por um maníaco que lhe colocara um revolver na cabeça. E tal qual diria qualquer líder mundial na tentativa de justiçar uma grande catástrofe iminente. “Essa era a única maneira.”

-Alô? Vanessa?

...continua






2 comentários:

  1. Excelente!
    Aguardo os próximos capítulos rsrsrs.
    Ahh e tenha um ótimo feriado. Aproveite para descansar, já que está sem tempo esses dias rs.

    Beijos.

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  2. Tic... tac... tic ...tac...
    E chega um belo dia que....

    Bjinhos no coração,

    Keli

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