sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Histórias de Jake - Coincidências

-Como é que é?

Jake tinha a sobrancelha direita erguida por detrás dos óculos escuros de lente marrons, segurava a latinha de Coca-cola enquanto essa deixava cair as últimas gotas do líquido negro no copo de vidro do restaurante.

-Híbrido Jake. Você é aquilo que nós chamamos de híbrido. –disse Morticia franzindo o cenho contra a luz do sol. Nenhum dos dois gostava de almoçar em mesas a céu aberto, mas o resto do restaurante estava tomado.

Ele deu um sorriso cético. Conhecia a amiga suficiente para saber que os outros a consideravam louca, mas que isso era sem fundamento. Ela nunca falava se não soubesse realmente o que estava falando.

-E o que isso significa exatamente? –perguntou.

-Ora garoto. Quantas vezes nos conversamos sem que os outros percebessem, sem nos falarmos, quantas vezes nossos pensamentos estavam tão sincronizados que nossos sorrisos falavam por si só. Quantas vezes você sentiu o que eu estava sentindo, ou eu senti o que você sentia?

-Coincidências.

Ela riu. Gargalhou e foi tão fantasmagórico quanto seu rosto e suas roupas. Pele clara, olhos escuros e a tão habitual blusa preta.

-Sabe melhor do que ninguém que não acredita nessas coisas.

-Mas... híbrido? –Jake indagava ao mesmo tempo em que tomava o último gole do refrigerante.

-Você sabe que não é mais normal. Você sente. Está mais forte, mais decidido. Ainda não consegue controlar, mas vai. Um dia vai entender o que estou dizendo. Vai ver o mundo por fora do seu tempo.

Ele não entendeu. Escutou mas não entendeu e seu rosto dizia isso, mesmo escondido atrás do sorriso e dos óculos escuros.

-Atenda seu telefone Jake. Não vai tardar a entender, caso contrário vai ser tarde demais.

O celular de Jake tocou ao final das palavras da amiga. Ele apanhou o telefone no bolso e olhou o display, ergueu os olhos assustado como uma criança após ouvir o latido de um cão realmente grande. Olhou para ela como se pedisse ajuda, mas ela já não estava lá. Deixara tudo, o prato com a comida, o copo com Coca-cola e desaparecera.

O quarto toque o despertou do transe.

“Onde ela foi?”

Atendeu ao telefone:

-O que você quer Vanessa! –não foi uma pergunta, sua voz era grossa e severa, estava irritado com o telefonema assim como ficava quando a mãe o chamava para almoçar enquanto jogava vídeo game aos oito anos de idade.

Ouviu a voz que não ouvia desde aquela fatídica quinta feira. Havia decido nunca mais se encontrar com ela. Fora traído, fora traído mesmo depois de perdoá-la duas vezes. Dera a ela uma segunda chance e ela a jogou fora, dera a terceira e ela aparecera grávida de outro. Não haveria uma quarta vez.

-Estou indo. –desligou o telefone.

Ou haveria?







-O que o médico disse? –perguntou Jake tão logo entrou no quarto. Era um quarto grande, mas mal pintado com paredes beges que talvez um dia tivesse sido brancas, quartos do S.U.S. em um hospital universitário, não se podia esperar muito mais.

Vanessa estava na cama mais afastada, encostada na parede, antes dela havia ainda outras duas camas, cada qual com uma mulher, uma delas dormia, a outra assistia qualquer programa de auditório em uma televisão de antena interna e imagem de má qualidade.

Jake sentou ao lado da cama.

-O que aconteceu?

-Jake... eu... –ela não conseguiu falar, puxou o cobertor contra o peito e o mordeu, como para segurar dentro do corpo algo que queria sair. –Eles acham que... eu acho que vou...

-VANESSA. –uma voz grossa e engasgada veio da porta.

Jake virou-se como se soubesse qual rosto veria, na verdade estava esperando para vê-lo.

Mas não era o mesmo rosto.

-Doutor. –disse Vanessa com a voz fraca.

O médico aproximou-se deles carregando uma prancheta, ficou ao pé da cama e olhou para Jake por sobre os óculos com armação de cobre.

-O senhor é algum familiar? –perguntou o médico.

-Ele é... –Vanessa começou a falar, mas não teve chance de terminar a frase.

-Eu sou o pai da criança. –sua voz era firme e decidida, como nunca fora antes, algo nele havia mudado.

O homem de jaleco o olhou fixamente, estudando-o de cima a baixo, como se procurasse por algo em seu corpo que o desmentisse. Não encontrou.

-Bem... é mesmo apropriado que os dois estejam juntos para isso.

Não era preciso muito para adivinhar o que viria a seguir, Jake sentiu a mão que deixara sobre a cama ser segurada pela fria mão de Vanessa. Ela sempre tivera mãos frias.

-Vocês sabem que o embrião tem um local específico no corpo na mulher para ficar alojado. Em algumas situações, o óvulo é fecundado e começa essa jornada, mas por diversas razões possíveis não a completa e fica armazenado nas

-Trompas. –concluiu Jake. Vanessa tirou o olhar do médico e o encarou.

Ficaram os três em silêncio.

-Quando é a cirurgia? –perguntou olhando para o chão.

O médico sentiu que não precisava dizer mais nada. Soltou um leve suspiro e respondeu.

-Esta noite. Precisamos operá-la o quanto antes, caso contrário ela também será posta em risco.

Jake fechou os olhos como se estivesse sentindo dor, como se algo pontiagudo o tivesse perfurado. Havia perfurado, mas não era visível ao olho humano. Seu coração estava em pedaços.

-Obrigado Doutor. Agora, se puder nos deixar a sós.

O médico concordou. Saiu caminhando com a cabeça baixa.

Vanessa lhe apertou a mão e fez com que ele a olhasse.

-Por que disse que era o pai?

-Por que você me chamou aqui? –perguntou Jake com a voz áspera, falava o mais alto que podia para disfarçar o quanto sua garganta queria chorar.

-O que?

-Me chamou aqui para que? O que você quer com tudo isso? Você acha que porque está perdendo o filho daquele psicopata existe alguma realidade na qual nos ficaremos juntos novamente? Eu disse que era o pai por que ainda existia essa possibilidade, dependendo do tempo de gravidez eu poderia realmente ser o pai.

-Mas eu acho que você é! –disse Vanessa tentando enfrentar o tom de voz dele, mas percebendo o que disse continuou. –Acho que ERA.

-Não Vanessa. Para você estar hospitalizada por conta de um embrião preso nas trompas, sua gravidez vem bem de antes do que eu pensava.

Ela arregalou os olhos. Pareceu surpresa pelas palavras dele, mas não as desmentiu. Ficou em silêncio. Jake virou-se para sair e começou a caminhar.

-EU TE AMO! –ela gritou.

Ele parou de caminhar, mas não se virou.

-Eu conversei com ele na mesma noite em que te liguei. Eu te liguei para contar, mas você não me deixou falar. Eu disse que não queria ele na minha vida. Disse para ele me deixar em paz porque eu não queria mais estar com ele. Eu não amo ele. Eu quero ficar com você. É você que me faz bem. É você que eu amo. Eu te amo Jake! E não diga o contrário para mim porque eu sei que você também me ama, você ainda está usando nossa aliança Jake. Eu estou usando também, olhe para mim Jake!

Saiu.

Não ficou para ouvir mais, não queria ver a face dela que sabia estar derramando lágrimas, não queria chorar novamente por ela, não poderia, não agüentaria.

Caminhou por aquele corredor imenso de piso avermelhado cada vez mais rápido, queria sair, correr, gritar, jogar para o mundo toda aquela frustração que sentia, todo aquele... ódio! Como ela ousava? Como ela ousava dizer que o amava depois de tudo aquilo. Depois de fazê-lo sofre como ela fez?

O telefone tocou e ele jurou que o arremessaria contra a parede se ela tivesse ousado lhe telefonar. Olhou o display, não se pode dizer que o que ele sentiu tenha sido uma surpresa, mas mesmo assim ela sempre o assustava um pouco.

“Morticia”

-Alô.

-Sinto muito garoto.

Ambos ficaram em silêncio. Não havia necessidade de dizer mais nada. Desligou o telefone.

Jake ficou muito tempo sob o chuveiro quando chegou em casa, sentado no Box segurando as pernas com água lhe batendo nas costas. Deitou antes do sol se esconder e pediu que dormisse, que dormisse logo para esse pesadelo acabar, mas não era um pesadelo. Era a vida real.

“Coincidências”

“Você não acredita em coincidências lembra?”

“Se o filho era dele, por que ela o perdeu? Talvez essa criança não tenha nascido por ser minha.”

“Você acredita mesmo nisso?”

“E se Deus tivesse olhado para baixo e dito ‘ainda não está na hora.’ ?”

“Você não acredita em Deus.”

“Ultimamente, nem sei mais no que eu acredito.”

Entrou no quarto dela às sete da manhã. Percebeu que ela estava despertando, o sol entrava pela janela no topo da parede e batia no rosto. Sentou ao lado da cama na mesma cadeira em que estivera no dia anterior.

Ela abriu os olhos lentamente, acordando de um sono profundo, tinha um soro no braço e usava as vestes azuis do hospital. Já havia passado pela cirurgia. Quando o viu não deu muita importância, mas o fixar o olhar e ver de quem realmente se tratava levou um susto. Parecia ter visto um fantasma, ou simplesmente visto alguém que não desejava ver.

Parecia... assustada.

Jake não notou isso, não havia aprendido a dar lugar a sua outra metade ainda, não havia entendido o que Morticia tentara lhe dizer, e talvez, não houvesse mais tempo.

Inclinou-se deu um beijo na boca de Vanessa. Os lábios dela não se mexeram, foi como beijar uma laranja aos onze anos de idade de uma criança.

Só então percebeu.

Olhou para a mão direita dela. O dedo anelar. Não havia aliança.

Olhou para a face dela. Ela chorava.

Uma centelha de compreensão inundou seus pensamentos, olhou para o forro da cadeira. Amassado. Na beirada da cama dela um casaco que não pertencia a ela. Olhou pela janela, procurou...

“Rápido! Onde está?”

Achou.

O carro branco.

Olhou novamente para ela, sua expressão era de pavor.

Então se virou para a porta, precisava sair dali antes que...

Tarde Demais.

ELE estava parado da porta.





6 comentários:

  1. Ah, não acredito que ELE estava lá..
    que droga =/
    kkkkkkkkkkkkkkkkkk

    To adorando, muito!


    Ei, obrigada pelo elogio.
    Beeeeeeeeeeeeeeeijos.

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  2. Senhor!!! Na verdade sempre foi tarde demais...

    Bjos adooro!!

    Keli

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  3. Ta se superando hein Diogo!
    Concordo com a Keli de que foi tarde demais, apesar de a situação dele ser completamente compreénsível!

    Parabéns


    beijos

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  4. Oii Diogo!
    Estou aqui novamente hahaha
    Adoro vir ler as histórias...
    Parabéns

    beijo

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  5. Cara.. tem selo do Meme pra vc lha no blog. Passa lah depois!!!!

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