quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Histórias de Jake - Aliança

Ela saiu do colo dele e sentou ofegante no banco do motorista, tinha um sorriso no rosto que há muito tempo não aparecia, ele por outro lado tinha o semblante sério, puxou o zíper da calça olhando para fora do carro através dos vidros embaçados.
Era uma quarta feira.


-O que você tem Jake?
–ela perguntou ao mesmo tempo em que subia o zíper da blusinha roxa sobre o sutiã preto. Seu sorriso ainda estava lá. Um pouco menor, mas estava lá.
Ele não a encarou, ficou um tempo em silêncio selecionando as palavras que iria usar, era sempre assim, sempre pensava em cada momento, antecipava cada movimento, tinha em mente o que diria e todas, ou ao menos a maioria das respostas possíveis no diálogo. Finalmente a encarou.


-Há quanto tempo estamos juntos Vanessa?


O sorriso desapareceu dos lábios dela. Não pela pergunta em si. Ela sabia a resposta, estavam juntos há quatro meses contando desde o inicio, desde seu primeiro beijo. O que realmente a assustou foi ele chamá-la pelo nome, nunca a chamava assim, usava os mais variados adjetivos e menções de filmes, séries e livros dos quais gostava, mas NUNCA a chamava pelo nome.


-Há quanto tempo fazemos... isto?


Ele falou olhando para si mesmo, suas roupas amarrotas, seu peito nu. Passou a mão na face dela limpando-a do suor. O primeiro dia em que fizeram não lhes sairia da memória, fora no dia dos namorados.


-Dia 12... mês passado.


Ela respondeu em inocência, não estava nem sequer perto do assunto que ele queria começar, não tinha haver com datas.


-O que eu sou para você?
–ele perguntou, tinha o rosto sério, olhava-a fixamente, parecia ter deixado seu humor ácido em casa, dentro de alguma meia na gaveta esquerda de baixo. Ela conhecia essa gaveta. –Se me perguntassem o que você é para mim, eu responderia “Ela é minha namorada”. Mas... e você? O que você responderia? Eu sou seu namorado?

Ela sorriu. Abriu seu sorriso. Alguns a chamavam de debochada, falavam de sua ironia, mas ele a conhecia muito bem. Nããão, ela não sabia ser irônica nem sarcástica, não sabia ferir as pessoas como ele sabia, os ferimentos que ela causava , e que lhe causou não foram frios como ele faria, foram instintivos, comandados por nada mais do que sua libido. Aquele sorriso em sua face era como o de uma mãe que ouve o filho lhe perguntar sobre sexo pela primeira vez, como explicar para uma criança a existência de um mundo que ela ainda não conhece? Era assim que Ela pensava a respeito Dele.

Ela sentou no colo dele novamente e lhe beijou, ainda mantinha o sorriso.

-O que você é para mim?
–Ela sorria e o beijava a cada pausa, a cada oração. –Deixe me ver... você é... você é um casinho... –ele não gostava do que ela estava fazendo, mas apenas a escutava.- você é um... um rolo... isso, você é o meu rolo. Só isso.

-Eu sou um rolo? É isso que você está me dizendo, eu sou apenas mais um rolo para você.


-Ora...


Essa interjeição o chamou a atenção, como assim “ora”, não existe “ora” aqui, não há espaço para “oras” neste lugar, em que momento ela poderia usá-lo, não havia como ela falar algo que simplesmente fizesse sentido e justificasse tudo o que estava argumentando, mas ainda assim... ele se pôs a ouvir.


-Você... Nunca me pediu em namoro.




Quinta Feira.
Cada passo de seu dia foi cautelosamente planejado durante noite. As palavras dela ressoaram em sua cabeça como uma forma de inspiração, como um desafio, e ele a deixara avisada...

“Você vai se arrepender do que está me dizendo agora, essas suas palavras de agora irão gerar uma seqüencia de acontecimentos que você nem pode imaginar. Será tudo culpa sua. Espere e você vai ver.”

Ele não tinha dinheiro.
Tinha o plano, às oito horas da manhã já havia feito orçamento, sabia os preços, tinha as desculpas, as frases, mas não tinha o dinheiro. Sabia o que fazer, mas precisaria contar com mais do que seu intelecto, precisaria contar com a sorte.

Pegou o telefone do gancho e fez a ligação, era uma cliente em potencial, recebera ordens do chefe para ligar já há algum tempo, mas enfrentar uma situação onde precisaria fazer o erro de sua empresa parecer proposital, sair como vítima, e fechar o negócio, lhe parecia muito difícil antes de ter “Você... Nunca me pediu em namoro.” Em sua cabeça.

-Tudo bem querido, negócio fechado, estou indo. –disse a mulher do outro lado da linha. Fez sua venda com um valor 33% mais alto do que esperado, recebeu um bônus maior do que sequer precisava. Agora tinha o dinheiro, e como planejado, antes das 11 horas da manhã.

Pegou a carteira e levantou, caminhou até a porta, ela estava lá olhando o movimento de carros na manhã de sol, abraçou-a por trás.

-Vou dar uma saidinha. Daqui a pouco estou de volta para nós almoçarmos. Tudo bem?

-Uhum. -Ela simplesmente fez o grunhido e concordou com a cabeça. Estava um tanto quanto apreensiva depois da noite anterior, mas não era isso que a estava deixando incomodada. Ele sempre dizia aonde ia, mesmo que ela não perguntasse. “Vou comprar um lanche, quer alguma coisa?” , “Vou comprar um remédio, minha cabeça dói.” , “Vou dar uma volta na quadra, estou stressado.” Qualquer que fosse a situação ele informava, mas jamais dissera “Vou dar uma saidinha.”

Ele saiu da empresa e ela ficou o olhando da porta. Ele não olhou para trás, mas sabia que ela estava lá, sentia em sua nuca, sentia o olhar perfurá-lo como uma agulha e tocar em sua espinha. Também sabia o que vinha a seguir, quando virasse a esquerda na esquina, sabia e o fez mesmo assim, não podia deixar de sentir um pouco de prazer no que estava fazendo, isso porque ele sabia como a noite terminaria. Ela, não fazia nem idéia.
Dobrar a esquerda significava pegar o caminho para o trabalho da loira de peito estufado. Ambos eram amigos agora, mas seu “rolo” nunca aceitara a loira, jamais acreditara em suas palavras quando dissera que não havia nada entre os dois, nem mesmo após conhecer o namorado dela.

Ela poderia pensar que por ele tê-la perdoado por transar com dois caras diferentes enquanto estavam juntos antes mesmo de transar com ele próprio, ele não teria problemas em perdoar a loira por estar com outro cara, o que tornaria plausível a teoria de quando ele dobrou a esquerda tivesse ido vê-la. Ela não estava nem próxima da verdade.

Era uma loja respeitável, uma grande entrada de vidro, os objetos cintilantes por detrás dos balcões transparentes, ele se abaixou para ver melhor e sorriu para mulher que o atendera cedo da manhã.

-E então meu querido? O que achou?

Ele piscou com um sorriso de felicidade invejável, há dias não se sentia tão vivo, tão certo do que estava fazendo.

-Faço para presente?

-Não, apenas uma caixinha já está bom. Preciso dar um toque pessoal ainda.

A mulher entendeu e lhe escreveu um endereço em um pequeno pedaço de papel branco.

-Felicidades meu jovem.

Ele pegou a caixinha e a colocou no bolso da jaqueta preta da empresa. Saiu, caminhado mais rápido do que o habitual. Havia mais uma parada e pouco tempo. Cinco quadras mais longe ele entrou em uma pequena porta de madeira, quase lembrava a primeira loja de relógios que ele e seu pai tiveram, ele devia ter uns quinze anos na época, mas este lugar cheirava como a casa de sua avó e tinha o aconchego de um quarto de hospital. O velho com uma lupa no olho o encarou.

-Em que posso ajudá-lo meu jovem?

-Um pequeno serviço meu senhor. Algumas palavras que gostaria que escrevesse.

Os anos de profissão do senhor o fizeram trabalhar depressa, talvez menos de cinco minutos e já estendia a caixinha de volta para ele. O velho repetiu as palavras da mulher da loja anterior.

-Felicidades meu jovem.

-Sucesso. –ele respondeu. Depois se perguntaria o porquê respondera “sucesso”. Felicidades é um desejo tão mais simples, mas tão mais complexo. Sucesso... nem sempre é felicidade.

Voltou para a empresa bem em tempo do almoço. Entrou e foi ao encontro dela, com a mão esquerda balançando ao lado do corpo e a direita segurando a caixinha dentro do bolso. Deu um oi misturado com um beijo. A reposta dela foi seca. Ele sabia, Ela pensava que ele estivera com a loira.

A tarde se arrastou.
Havia mais um pequeno detalhe que precisava arrumar, mas isso só poderia fazer depois do expediente, fazê-lo agora seria arriscado demais, seria pego.

-Por que você está estranha comigo?

-Por nada.

-Você acha que eu estive com ela.

Ela não respondeu. Levantou os olhos da calculadora na qual fazia a soma dos valores do caixa, suspirou e disse.

-Olha, pra falar a verdade. Sim. Eu acho que você esteve com ela.

Ele sorriu.
Estava feliz, simplesmente feliz e achava graça no ciúme desmedido de sua companheira.

-Você precisa confiar em mim. À noite tudo será explicado.

-Eu confio em você! Mas...

-Você vai ficar com muito remorso quando descobrir...

Ele falava em meio ao sorriso, quase gargalhando.

-Como assim?

-Paciência... à noite você vai ver.

O expediente terminou e eles esperavam na parada de ônibus. Ela lhe deu um beijo e embarcou ainda sem saber o que viria e apenas levando o aviso dele, que a noite iria encontrá-la. Mal o ônibus arrancou, ele correu no sentido oposto. Tinha pouco tempo, as portas de vidro da loja logo de fechariam, precisaria voar para chegar a tempo. Mais uma vez a compra não foi embrulhada para presente, se juntou a caixinha fechada em seu bolso direito. Saiu da loja e o celular tocou. Ela.

-Onde você está?

-Estou indo para minha aula. Por quê?

-Liguei na sua casa e você não estava.

-Não estava mesmo, eu não fui para casa, estou indo para aula agora.

-Por que não foi? Onde você estava?

-Eu já lhe disse... em breve tudo fará sentido. Vou apenas receber meus trabalhos e já te ligo. Encontraremos-nos em breve.

-Tudo bem... Beijo.

-Beijo.

Quinta feira era sua aula favorita, junto com uma de suas amigas, a morena de pele clara a qual costumava chamar de Morticia, apenas entre os dois, é um apelido que a maior parte das pessoas julga inapropriado ou feio. Poucos levam em consideração o quanto inteligente e misteriosa é a personagem, e era nesse sentido que ele falava.

Saiu mais cedo, antes mesmo de receber as notas. Avisou a amiga, mas era desnecessário. Quando ela o viu com aquele sorriso largo no rosto, sabia que ele estava tramando alguma, ela o conhecia e não o questionou por abandoná-la em meio a suas próprias dores, sua vida pessoal andava de cabeça para baixo e novamente ela precisaria de seu escudeiro, mas hoje, nesta quinta feira ela sabia que precisava esperar. Esta era a quinta feira de felicidade dele. E também sabia que logo o mundo iria cobrar tamanha felicidade. Logo ele precisaria de ajuda.

Apanhou o carro em casa e foi até ela.
AC/DC, Silverchair, Angra
O celular tocou. Uma breve mensagem da Morticia.

“Seu filho da mãe! Você tirou a nota mais alta da turma! O pessoal todo aplaudindo teu nome e você nem está aqui para ver isso! Parabéns Garoto.”

Seu sorriso nem cabia na face, dava risada sozinho escutando seu rock e esbanjando mais felicidade que nos últimos seis meses. Estacionou o carro e deu um toque no celular de sua garota. Ela veio rápido e entrou no carro, o beijou e perguntou curiosa.

-Então? O que tanto você precisa me dizer?

-Bom... primeiro feche os olhos. A face dela quis questionar, fechar os olhos é coisa dos filmes que ele assiste não dela, mas sabia com quem estava lidando e se ele pedia isso, algum motivo havia. Fechou os olhos.
Ele puxou a caixinha do bolso, abriu e pegou seu conteúdo.

-Agora é o momento que você se arrepende pelo o que me disse na noite passada. Abra os olhos.

Ela abriu e sua expressão de surpresa apenas foi superada pela de incerteza quando ele proferiu as palavras que se seguiriam. Enroladas na mão direita dele havia duas correntes de prata balançando, na extremidade, anéis, anéis de prata, duas alianças de prata pura modelo clássico fino. Ela as tocou e olhou em seu interior, leu em voz baixa.

Jake

Vanessa

-Vanessa...
Ela tirou os olhos das alianças e o encarou, tinha a boca levemente aberta.
-...você quer namorar comigo?

Exatamente como na vez em que ela lhe disse “Faz o que for melhor para você.” e ele não respondeu, apenas a beijou. Ela se debruçou no peito dele e o beijou demoradamente. Não dando uma resposta, ganhando tempo até encontrar uma.

-E então?... –ele insistiu.

-Eu ainda preciso responder? –ela disse com um largo sorriso no rosto.

-Se é para ser de verdade, eu quero ouvir da tua boca.

Ela sorriu.

-Sim Jake. Eu quero namorar com você.


A quinta feira terminou.
Passava da meia noite quando antes de sair do carro ela deixou os desejos de boa noite misturados a um pesar no tom de suas palavras trancadas pelo nó de sua garganta, dava uma notícia como Mercúrio entrega uma carta de Júpiter a Plutão. Tremendo.

-Jake... eu... estou atrasada.

Saiu.
O celular tocou.
Era Morticia.
Não havia mais sorriso no rosto dele.
Restava lugar para apenas um sentimento.
MEDO.
Ele Atendeu.

-Alô?

-Jake! Você é um bosta mesmo! Nós precisamos falar! Mas não agora, minha nossa! Você é um bosta!

Desligou.
Ele sabia que ela já estava ciente, como ela sempre está ciente de tudo o que acontece, como por uma força sobrenatural, um elo que os ligava,uma aliança, algo que fazia de sua amizade única, ela já sabia o que se passava com ele. E exatamente por saber, e por estar sentindo o que ele sentia neste momento...

...estava chorando.

...continua.


Um Grande Abraço
Diogo S.Campos

3 comentários:

  1. Preciso do próximo capítulo, ou eu não respondo pelos atos causados pela minha ansiedade... hahaha
    Bjo garoto não esquece do nosso projeto :P

    Adoro-te

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  2. Opaaa

    Boas festas!

    Um feliz ano novo pra vc!

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  3. Olá querido

    Que este ano que se inicia seja regido por muita paz, que o amor reine no coração de todos e que você realize seus desejos.
    Que 2010 seja um sucesso!
    Feliz Ano Novo!!!! \o/ \o/

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