segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Histórias de Jake - Carnaval II

Não parecia uma rua.

Assemelhava-se mais a um estreito corredor.

Com carros estacionados a minha direita, dois carros não transitariam por ela ao mesmo tempo,

eu esperava os que vinham no sentido oposto passarem,

nunca dirigi um carro deste porte, nem que andasse tanto.

(ou tão pouco)


A loira e eu usávamos os cintos, ela sentada ao meu lado

meu amigo no banco de trás,

não largava o "putamerda" nem por Ato Inconstitucional.


Não que dirigisse mal,

sim, essa é uma parte da verdade,

mas não havia dirigido aquele carro ainda, e isso fazia aumentar a insegurança,

tanto em mim quanto neles.

Mais ainda neles.


O que mais causa arrependimento em uma história,

é quando depois que ela acontece você para pensar nos " SE's " que deixou passar.

Nas chances que teve para evitar todo o acontecido.

E o que veio depois é talvez o maior deles.

-tirando a parte da responsabilidade, que você não vai ver nessa história.


-Trabalho amanhã, quero ir para casa. -disse a loira.

-Não que ir conosco? -perguntei.

-Quero, mas tenho que trabalhar amanhã, deveria ir para casa.

-Vamos fazer assim, vamos apostar.

-Hum?

-Par ou Impar, se eu ganhar você vai conosco, se você ganhar te deixamos em casa.

Até hoje penso que deveria ter perdido aquele jogo.


Dirigi um Palio uma vez, que diziam ter direção hidráulica.

Não era Hidráulica,

ou deixei de acreditar que fosse quando dirigi esse Corola.

Também nunca havia dirigido qualquer carro que tivesse um "Conta Giros"

Isso era formidável para mim,

fiquei entusiasmado, sorria sozinho

A loira e meu amigo entraram em uma discussão sobre qualquer coisa machista, mas eu não prestava atenção.

Minha concentração estava voltada para duas coisas,

O "Conta Giros" e Metallica tocando Enter Sadman


Vi o ponteiro subir até o seis...

quase sete...

passei a marcha,

Enter Sadman,

Metallica...

Metal...

Metal retorcido.

Metal avançando contra mim.

A frente do carro encolhendo.

Foi logo após ouvir os freios do meu próprio carro.

Senti o baque.

o sinto me segurou.

Ouvi um "Puta Merda"

Olhei para o lado, os olhos que me encaravam tinham uma expressão que misturava medo com decepção.


Tentei religar o carro.

uma,

duas,

Três vezes.

Não tinha intenção de fugir, a única coisa que me passou foi tirar o carro dali,

do meio do trânsito,

colocá-lo no encostamento.

-Não adianta, para! -ouvi meu amigo dizer.

Ele chegou a mencionar a troca de lugares,

sabia que minha carteira de motorista estava vencida,

mas não o fizemos.

Saímos do carro.

Apenas ele e eu.

Perguntei-me o porque a loira não havia saído, apenas mais tarde fui descobrir,

a porta dela não abria,

a lataria amassada a impedia.


Incrível como a polícia chega rápido nessas horas.

De fora do carro consegui perceber como tudo aconteceu.

Havia uma lombada

(quebra molas, de onde eu venho)

uma caminhonete Nissan ENORME havia reduzido para passar por ela.

Não conhecia a estrada,

não olhava para a estrada no momento.

"Um corpo em movimento tende a manter o movimento a menos que uma força de sentido oposto o pare."

Foi mais ou menos assim.

Nós paramos.


Curiosos não existem nesse momento.

Colocamos o triângulo na distância certa.

Os próprios policiais nos ajudaram a retirar o carro da rua.

Meu amigo acionou o seguro, em seguida já estavam mandando o guincho.

Nos distanciamos, ele e eu

Quem estava dirigindo?

Era isso que ele queria discutir.

Lágrimas quase me saiam dos olhos quando falei para ele,


-Sabe que posso levar dez anos para te pagar isso, mas eu vou pagar, sabe também que nós dois perdemos a carteira nesse momento porque nós dois ainda estamos na permissão, mas cara, eu perco minha carteira por você, eu pago isso para você, fui eu que fiz, é responsabilidade minha.


Ele ficou com a loira para esperar o guincho.

Foi a primeira vez que estive em um carro de polícia.

atrás de nós, a Nissan.


-Vocês tem muito em comum. -disse o policial, primeiramente achei que ele estava falando de meu amigo, só depois descobri que não, falava do motorista da Nissan. -Primeiro, nenhum de você é daqui. Segundo, vocês dois tem o mesmo nome. E Terceiro, ambos estão na permissão ainda.

Isso foi realmente uma surpresa.

-Bebeu alguma coisa hoje amigo? -ele me perguntou.

-Um suco de hortelã.

Era verdade. Não era a única verdade. Mas era verdade.


A espera foi MUITO LONGA.

duas da manhã foi quando começamos a registrar o Boletim.

Três quando terminamos,

E quatro horas da manhã, quando a mulher que nos atendeu conseguiu finalmente baixar o Adobe para ler o formato PDF, e imprimir a folha, a qual assinamos e fomos embora.

O motorista da Nissan não estava nem um pouco chateado ou estressado,

em compensação sua namorada queria meu pescoço.

Foi ela quem disse para ele não me levar para casa, mas ele levou mesmo assim.

Mostrei a mensagem SMS que meu amigo havia me mandado.

"O Seguro Cobre!!!!!"

Ele ligou para meu amigo, mais por formalidades do que por qualquer outra coisa.

Decidiu que concertaria o carro na cidade dele.


Segui o restante do caminho para minha casa a pé.

Quando cheguei lá, eles estavam do lado de fora, escorados contra a parede,

um Gol estava estacionado a frente deles

um Gol que sofreria um acidente no dia seguinte,

e que o motorista, um garoto da minha idade, iria se arrepender de ter tirado sarro da minha cara por ter batido o carro.


A loira apenas me esperava para saber como eu estava.

Me deu abraço, palavras de consolação e um beijo no rosto.

Entrou no carro junto com seus outros cinco amigo,

e foram embora.


Sentei ao lado de meu amigo,

Tomamos duas cervejas,

não estávamos afim de dormir,

nem de encarar minha mãe.

Por mais que fossemos encarar ela mais cedo ou mais tarde.

Eu preferia que fosse mais tarde.


Caminhamos,

caminhamos muito, sem um destino certo,

caminhamos até ficar cansados e nos arrependemos por não ter calculado que o caminho de volta seria tão grande quanto o de ida.


Dormimos antes de contar para ela.

Pedi para ele sair.

E contei tudo.

Tudo de uma vez.

Ela ouviu em silêncio.

As represálias viriam apenas dias depois.

Meu amigo tomou todas as providências por telefone.

O seguro lhe disponibilizou um motorista que o levaria para casa.

Partiu logo depois do meio dia.


No meio da tarde,

recebi ligações de amigos que não via há tempos.

Amigos que encontraríamos na festa a qual compramos os ingressos na noite anterior.

Ingressos caros.

Que não pude usar.

Sem carro, sem deslocamento, sem festa.


Não comi naquele dia,

mas a fome foi a coisa mais banal que perdi.

Tenho um prejuízo que carrego até hoje.

Não apenas o financeiro,

ou a confiança abalada de minha mãe,

ou a decepção de meu pai.

O que realmente me machuca,

é encarar a verdade.

Verdade que aquela amizade já não é mais a mesma.

Não por culpa dele,

mas por mim,

Por sentir tanta vergonha,

que não falo mais com ele,

ao menos até conseguir quitar minha dívida.


Dívida que dinheiro algum no mundo paga.





Um Grande Abraço

Diogo S.Campos

3 comentários:

  1. .............
    .............
    .............
    Entendeu né?! Abraços,Keli

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  2. Legal a história Diogo. Confesso que na primeira parte tive a impressão que faltava algo, mas essa completou a emoção que faltou na primeira. Ficou mais instigante, sei lá.
    Mas com a prática ficamos mais "power" nos textos.
    Bjão

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